domingo, 26 de julho de 2009

O terremoto de Lisboa (1755) e seu tratamento literário em dois autores do século XVIII

No dia 1º de novembro de 1755, Lisboa foi atingida por um forte tremor de terra resultando na destruição quase completa da cidade. O sismo atingiu ainda grande parte do litoral do Algarve e há relatos de que ele foi sentido em outras partes da Europa, como França, Holanda e Grã Bretanha. Foi um dos terremotos mais danosos História, com mais de dez mil mortes estimadas, e os geólogos modernos supõem que o sismo de 1755 atingiu a magnitude 9 na Escala Richter.

A Literatura, como instrumento privilegiado para representação da realidade, não tardou a apropriar-se do acontecimento. Quatro anos depois do ocorrido, no Cândido (que discutimos este mês), Voltaire inclui uma descrição em cores fortes do fenômeno. Como era de se imaginar, o escritor francês pretendia com ela confrontar as teorias de Leibniz. Afinal, como um mundo que se "rebela" e destrói os construtos humanos pode ser o melhor possível? Vejamos a descrição que ele faz:

"Mal entravam na cidade, chorando a morte do benfeitor, quando sentem o solo tremer sob os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas. Assobiando e praguejando, dizia consigo o marinheiro: — Muito há que aproveitar aqui. — Qual poderá ser a razão suficiente deste fenômeno? — indagava Pangloss."

Em 1769 era a vez do brasileiro José Basílio da Gama se utilizar do terremoto em seu poema narrativo "O Uraguai". No canto Terceiro da obra, por intermédio de encantações, a bela Lindóia vê o espetáculo da reconstrução de Lisboa pelo Marquês de Pombal, após o terremoto. Explica-se: o poema era dedicado ao administrador português, a quem o autor devia alguns favores. Pombal é então retratado como um herói enviado dos céus e a sua atividade é tão digna de louvor que poderia até mesmo consolar a índia que sofria, a quilômetros dali, do outro lado do Atlântico:

"Não de outra sorte à tímida Lindóia
Aquelas águas fielmente pintam
O rio, a praia o vale e os montes onde
Tinha sido Lisboa; e viu Lisboa
Entre despedaçados edifícios,
Com o solto cabelo descomposto,
Tropeçando em ruínas encostar-se.
Desamparada dos habitadores
A Rainha do Tejo, e solitária,
No meio de sepulcros procurava
Com seus olhos socorro; e com seus olhos
Só descobria de um e de outro lado
Pendentes muros e inclinadas torres.
Vê mais o Luso Atlante, que forceja
Por sustentar o peso desmedido
Nos roxos ombros. Mas do céu sereno
Em branca nuvem Próvida Donzela
Rapidamente desce e lhe apresenta,
De sua mão, Espírito Constante,
Gênio de Alcides, que de negros monstros
Despeja o mundo e enxuga o pranto à pátria."

Como se vê, contra os fatos pode até não haver argumentos. Mas que há distintos olhares e tratamentos, isso há.

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