sábado, 12 de dezembro de 2009

Meu encontro inesperado com Yukio Mishima


Um título escolhido ao acaso numa prateleira me forneceu o destinatário da carta que precisava escrever para a dinâmica do grupo no mês de dezembro/2009. O resultado está abaixo, espero que gostem:

Juiz de Fora, 08 de dezembro de 2009
Sr. Mishima.

Estava eu às voltas com escrever uma carta a um autor de minha preferência para uma dinâmica de grupo. Podia ser qualquer autor. Veja bem, qualquer autor e não um autor qualquer. E com certeza o senhor é um grande autor!

Pensei em várias possibilidades, pensei até em usar a máscara de algum personagem e, por trás dela, escrever para um autor. Mas, com as correrias do final de ano, acabei não investindo seriamente na escrita dessa carta. Pode ser que a essa altura o senhor esteja se perguntando: “e o que eu tenho a ver com isso tudo?”.

Até uns dias atrás, posso assegurar, o senhor não tinha absolutamente nada que ver com a história... Confesso que ignorava a existência de suas obras. Quer dizer, não propriamente ignorava. Já tinha começado a ler Neve de Primavera, primeiro volume de uma tetralogia. Comecei a ler e não terminei. Não; não pense que o livro era ruim. Eu é que fui um mau leitor. Além disso, a grande extensão da obra, e a consciência de que eu não teria acesso aos quatro volumes ao mesmo tempo me desanimou para a tarefa. Hoje vejo como eu fui tolo por furtar-me à leitura de um autor capaz de dizer coisas assim:

“De repente, o longo gemido da sirene de um navio entrou pela janela aberta e inundou o quarto em penumbra – o grito de uma dor sem limites, sombria, exigente; escuro como breu e glabro como o dorso de uma baleia, sobrecarregado de todas as paixões das marés, da memória de viagens fora de conta, de alegrias e humilhações: o mar estava gritando. Impregnada do brilho e da loucura da noite, a sirene trovejava, transmitindo ao pequeno quarto desde o mar largo e distante, desde o centro morto do mar, uma sede do néctar escuro.”

Mas, como ia dizendo, até então eu não havia pensado em eleger o senhor como destinatário dessa minha carta. E isso até o dia em que topei com O marinheiro que perdeu as graças do mar, de onde retirei a citação acima, na prateleira da biblioteca. Foi a primeira vez em muitos meses que consegui ler um livro inteiro em apenas dois dias. Foi uma leitura rápida, envolvente, emocionante. Sem dúvida essa minha total absorção pela obra foi devida à beleza de seu estilo. À sutileza e singeleza de suas imagens e descrições. Fiquei profundamente encantado com a maneira sábia e sóbria como o senhor conduz os personagens do pré-clímax ao clímax, e vice-versa, dando à narrativa uma movimentação que jamais culmina numa cena afirmativa. Parece que o livro foi escrito sob o signo da negação e os poucos personagens se esbatem nas redes dos desenganos e ilusões humanos.

E, no entanto, como é forte, como é densa essa narrativa. E como no final estamos predispostos a aceitar tranquilamente que a glória é mesmo amarga, que Tsukazaki é mesmo um “traidor”. Ou será que ele é um traído? Traído pelo próprio desejo de glória que sempre lhe norteou a vida?

Contrariando, porém, essa meia-luz que domina a obra, a vida do senhor foi de uma intensidade invejável e de uma coerência e coragem poucas vezes vista. Afinal, poucos têm, hoje em dia, um caráter suficientemente forte e resoluto para se submeter ao seppuku. Acho que além de amarga, a glória pode acabar sendo dolorosamente atroz. E no fim das contas sempre perdemos as graças, sejam elas do mar, do céu, da divindade, dos nossos semelhantes e até de nós mesmos.

Nenhum comentário: